5 de nov. de 2007

Pra contar em novembro - A menina e a figueira


"Aconteceu em um lugar... havia duas casas. Em uma delas, morava um pai e uma filha que se amavam muito.


Na casa ao lado, vivia uma vizinha, que vivia sozinha. Isso porque era bem fofoqueira. Fofoqueira, mas apaixonada pelo pai. Mas o pai...


Decidida que iria se casar com pai, ela teve uma grande idéia: conquistar a filha, pra depois, conquistar o pai.


E todo dia, quando a menina estava brincando na calçada, a vizinha ia até ela e lhe dava um presente. A menina ficava muito feliz. E aos pouquinhos, foi gostando mais e mais da vizinha, até o ponto de querer que ela fosse a sua mãe!!!


Pois um dia, a vizinha disse à menina:


- Minha queridinha! Se você quiser eu posso ser sua mãe. Mas para isso, você precisa me ajudar a casar com o seu pai!


E a menina naquele dia mesmo pediu, pediu e pediu pra que ele se casasse com aquela mulher que era tão legal, tão legal, que podia ser a mãe dela!


O pai riu das coisas que a menina falava. Mas, vou dizer a vocês: a partir daquele dia, ele começou a olhar para a vizinha diferente, bem diferente!


Tanto que começou a gostar.


Tanto que começou a namorar com ela.


Tanto que se casou com ela.


No dia do casamento, a mais feliz dos três era a menina que já sonhava com a vida maravilhosa que ela teria daquele dia em diante.


Pois no dia seguinte, ela deitou a cabeça no colo da madrasta (sim, porque agora a vizinha era a madrasta dela) e disse: "ô, mãezinha, é hoje que você vai me dar um presentinho?"


- Presente? Que presente, menina! Você só pensa nessas coisas. Aliás, quer saber: poder começar a limpar esse chão. e depois pode lavar a louça, e depois tire o pó dos móveis e depois lave a roupa e blá blá blá blá!!!!!!!!!!


Mas não foi só isso:


- E mais: a partir de hoje, você não brinca mais nem aqui, nem na rua, nem em lugar nenhum, pois isso é coisa de crianças preguiçosa!!!!!!!!!!!


Foi assim mesmo: desde aquele dia, a vida da menina foi a mais triste das mais tristes vidas...


Mas o pior ainda viria: o pai tinha de viajar e passaria três dias fora de casa.


A mulher já começou a pensar no que faria com a menina.


Quando o pai virou a esquina, a madrasta estava na janela. Olhou pro jardim e viu: uma figueira, a árvore preferia do pai da menina. Ela estava cheia de figos.


A madrasta pegou a menina pelo braço, levou até o quintal e disse:


- Menina! E vou sair agora e você vai passar o dia inteiro aqui espantando os passarinhos dessa árvore. Quando eu voltar, se houver um figo bicado... Aah! Menina! Você não sabe do que sou capaz!


A madrasta saiu e a menina ficou ali espantando os passarinhos.


Até que ela ouviu o som das crianças brincando na rua... e foi brincar também!


Correu, pulou, subiu, caiu, levantou, gritou, riu... o dia inteiro. Mas o dia passou.


Quando a noite chegou, a madrasta também veio.


E viu os figos da árvore todos bicados!


Cheia de raiva, começou a cavar, cavar, cavar.


Puxou a menina e levou-a até o buraco... e jogou-a lá dentro.


E tapou, tapou e tapou.


Ai, a sorte da menina é que o pai desistiu da viagem. Quando olhou pro jardim, chamou logo o jardineiro.


Ele começou a capinar, a capinar... até que ouviu uma vozinha fraquinha cantando aos pés da figueira.


"Jardineiro do meu pai

Não me corte os cabelos

Minha mãe me penteava

Minha madrasta me enterrou

Pelo figos da figueira

Que o passarinho bicou

Xô! Passarinho, da figueira do meu pai!

Xô! Passarinho da figueira do meu pai!"


O jardineiro reconheceu a voz da menina e chamou o pai. Quando ele ouviu o canto da menina, começou a cavar, a cavar... e tirou a menina lá de dentro, ainda viva!


E olhe só: quando ia levando a menina pra dentro de casa, eles viram quem tentava fugir: a madrasta!


Ah! O jardineiro correu atrás dela e a segurou. O pai, quando olhou pra ela, disse:


- Você nunca mais vai fazer mal pra ninguém!


E foi assim mesmo: a madrasta foi presa e nunca mais fez mal a ninguém. Nem pra adulto, nem pra criança.


E dizem qeu o pai e a filha viveram muito felizes. Dizem até que ele se casou de novo. Mas dessa vez, a mulher foi bem diferente: era uma rainha pra ele e uma fada pra menina."


Esse é um conto popular bem antigo. Pode ser encontrado em várias versões diferentes e com vários títulos diferentes também.


Como diz aquele ditado dos pontos que vão aumentado ou diminuindo, à medida que a gente conta as histórias, essa é a maneira que eu gosto de contar esta história: trazendo-a pra bem perto da gente, da nossa época, sem que ela perca nada da sua essência: a crueldade da madrasta, o sofrimento da menina, o engano do pai, continuam marcados, formando essa trama, que poderia realmente ter acontecido em qualquer lugar. Quem sabe, bem na nossa rua.


E mesmo que não, a história continua reverberando a sua verdade dentro da gente.

4 comentários:

Anônimo disse...

Hoje contei um pouquinho desta história que ouvi quanto eu tinha apenas 6 anos de idade. Nossa mãe deixava uma jovem humilde à noitinha conosco (crianças) e deitados em redes no interior do Piauí entretidas ouvia as historinhas daquela moça, e a gente com muita atenção guardava no meu coração. E tudo parecia ser pura verdade. Hoje eu pensei: Não me lembro mais desta história e só saudade resta-me. Será que esta historinha está na internet? Não deu outra, então, digitei um pequeno início e eis a história que marcou muito minha vida. Passei a vida inteira com um forte sentimento de pavor das madrastas contra as crianças.
Tenho acompanhado muitos casos de casais que se separam e novos matrimônios surgem. Tanto homens e mulheres podem ser usados pelo inimigo de Deus para fazer o papel de padrastos ou madrastas. As crianças pagam um alto preço pelas coisas erradas que os adultos fazem. E sempre foi assim. A maldade de adultos contra crianças sempre existiu e só Deus pode ajudar essas crianças. E digo às crianças: Deus sempre manda um anjo da guarda para cuidar das crianças. Na história, o pai não viaja e o jardineiro ouve a voz da menina.

Kiti disse...

Adorava essa história, minha avó me contava quando era pequena... E também a da da menina que pisou no pão, você conhece? =)

Sandra disse...

Ai esta a história que meu avô aqui no Rio Grande do sul contava para mim também quando tinha seis anos de idade. Isto é bárbaro. Esta na integra, obrigada.

Mundo Azul disse...

Queridos!

Que beleza os comentários de vocês.

É muito feliz quando a gente, mesmo sem querer, acaba por deixar semente ou ainda balançar a árvore da memória de cada um. Lança-se um fio... entremeia-se uma memória.

Eu não tive vó que me contasse essa história, mas quando a ouvi pela primeira vez me apaixonei por ela, justamente pelo que você fala "eagleman": o desolamento de uma criança diante de um mundo do qual a gente não dá conta. Muitas vezes, mesmo quando a gente é adulto.

Pensar em um ser humano machucando um outro ser humano por pura maldade é terrível demais, não é?

Esses são os "contos de fatos", contados e recontados desde sempre, em que a gente acaba por aprender pelo erro do outro.

Que bom seria se eles continuassem apenas assim, não é mesmo? Apenas histórias...

Pra conhecer mais... Curriculum

http://mundoazulth.blogspot.com.br/2012/10/curriculum_3.html