"Não há ninguém tão pobre que não deixe algo atrás de si."
Pascal
Chegamos ao século XXI e já podemos constatar uma grande lição: ainda bem, Benjamin falou em sua previsão.
Ainda assim, vamos refletir um pouco: na sociedade contemporânea, repleta de elementos que seduzem pelo seu apelo visual, a contação de histórias vem se propor a ser uma linguagem em que se estimula um outro sentido por vezes deixado de lado: a audição.
Porém, não se trata de apenas escutar as palavras, mas de ouvi-las, ou seja, deixá-las nos afetar.
Já foi e continua sendo dito o quanto o excesso do visual, sem a educação deste sentido, produz um embotamento do senso crítico com relação a esse tipo de imagem.
A contação de histórias vem exatamente na contramão disto: o contato entre o contador e seu público é o tempo em que ambos exercitam o músculo da imaginação, provendo-se de construções individuais acerca das palavras que alcançam o seu imaginário.
O visual é bidimensional. Enquanto vejo algo, o que está atrás de um objeto não pode ser visto por inteiro, a não ser que eu me aproxime dele. Ainda que ele seja tridimensional, a visão não o é. Para ver cada lado, é necessário que eu me posicione de acordo com o ponto de vista que eu queira ter do objeto.
O ouvir é distinto: ele é multidimensional. Ao ouvir palavras, estas se transformam em imagens que, no cérebro, transformar-se-ão em terrenos, pelos quais eu posso voar, atravessar paredes, fazendo com que a percepção recaia sobre o todo que constitui a cena narrada.
Ao ouvir, a palavra acessa a memória; a memória emerge experiências vividas; estas e seus valores adjetivos são agregados à palavra ouvida; a compreensão do que se ouve acontece, mas não é inócua: é carregada de sentidos, de conexões cogntitivo-afetivas, as quais trarão um sabor especial àquele momento de encontro trigonal – contador-história-ouvintes.
Ainda, ao ouvir histórias de uma sociedade distinta da que se vive, acontece o encontro entre modos múltiplos de viver a existência e de construção de mundos. Muitas vezes, ao nos deparamos com as diferenças, encontramos mais semelhanças do que nossos (pre)conceitos suporiam.
Memória. Esta vem do grego anamnesis, e seu significado estava além da acepção atual, o recordar – e sim trazer ao presente.
Portanto, o espectador já não é mais assim: ele é participante, pois que há uma história sendo contada por ele mesmo. A sua construção íntima, também, carrega não só as suas experiências, mas agrega valores arquetípicos, vindos de tempos e espaços imemoriais. Como se toda a história da humanidade contivesse-se em um único sujeito.
Portanto, chegamos a uma conclusão: a Contação de Histórias é uma Arte repleta de conceitos de Educação.
Sendo assim, em uma proposta de Educação em que as barreiras da intolerância se rompam e as das hierarquias de saberes sejam relativizadas, a Contação de histórias se estabelece como arte em que, citando Morin, os sete saberes necessários à educação do futuro se fazem presentes: o conhecimento, o conhecimento permanente, a identidade humana, a compreensão humana, a incerteza, a condição planetária e a antropo-ética. Se analisamos qualquer história perceberemos estas dimensões.
Entremear Contação de histórias e Educação é obter mais uma ferramenta pedagógica e artística, a fim de proporcionar experiências estéticas que integrem os sentidos do indivíduo. É oferecer-lhe mais um instrumento de apreciação e crítica do mundo.
Você já ouviu uma história hoje?
Até a proxima história...
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